Às vezes nos surpreendemos (ou nem nos percebemos) rotulando pessoas, e às vezes as pessoas que rotulamos são nossas esposas, nossos maridos, filhos, amigos, e pode ser até que lhes queiramos todo o bem. E fazemos assim, por achar que fazemos o maior bem do mundo, ou talvez nem pensemos nada, e vamos no piloto automático, praticando nossas ‘bondades’.
E achamos que lhes facilitamos o caminho, a vida, adiantando para as pessoas: ‘ ele é nervoso’, ‘ ela é um amor de pessoa’, ‘ele é muito calado, mas é gente boa’, ‘ele é muito bonzinho’, ‘ela é muito irritada’, ‘ele é estopim curto’, ‘ela é risonha’ ‘ele é engraçado’, e por aí vamos, e as pessoas têm que seguir nervosas, irritadas, risonhas, engraçadas, caladas, engessadas o tempo todo, mascaradas até, pelo menos enquanto estiverem na frente dos outros. Às vezes somos também nós mesmos que escolhemos o gesso e a máscara, a sandália, a vestimenta que queremos usar, o rótulo que queremos levar por toda a vida!
O que acontece é que pessoas rotuladas às vezes têm que dar duro para saírem dessas ‘formas’ em que as colocamos. Quando tentamos descrever pessoas do nosso convívio para outras que não as conhecem ou com quem estão tendo seus primeiros contatos, nós lhes restringimos as infinitas possibilidades de estarem; congelamos seus comportamentos e atitudes, e elas têm que se virar, se quiserem estar diferentes daquilo ou se conformar, pois só lhes damos a oportunidade de estarem daquele jeito que dizemos a respeito delas.
Assim, impedimos as pessoas de explorarem ou perceberem os outros: se adianto aos outros que ‘meu pai é calado’, o interlocutor de meu pai talvez perca para sempre a oportunidade de aproximar-se e iniciar um diálogo com meu pai, por, talvez conformar-se com a ‘informação’ que lhe prestei, e aquilo talvez fosse somente meu ponto de vista ou um recorte ou retrato da realidade existente em mim sobre meu pai ou em nossa família sobre o meu pai, mas não precisaria ser assim para sempre e com todas as pessoas ou meu pai poderia explorar a possibilidade de estar diferente, para muito melhor de agora em diante e até mesmo conosco, em nossa casa, caso lhe favorecêssemos outra possibilidade.
Às vezes somos nós mesmos a nos rotularmos: ‘sou temperamental’, ou, ‘comigo não tem tempo quente; vivo contando piada’, daí visto este único molde e aconteça o que acontecer, devo seguir contando piadas em todas as ocasiões, esta é a única opção que me dei!
Felizmente nós não nascemos nervosos, bonzinhos, irritados, zangados, calados, nós reagimos de um jeito ou de outro às situações e circunstâncias, estes nomes são estados e não características inerentes às pessoas.
Desta forma, o bom de tudo isto é que estou bravo, estou triste, estou melancólico, e isso pode mudar. Eu posso escolher como quero estar, já que estamos falando de estados; eu não sou triste, macambúzio, calado, eu estou triste, macambúzio, calado; eu não sou risonho, eu estou risonho; eu não tenho que sorrir o tempo todo, e posso mudar isto; sou eu que escolho estar alegre, decidido, resolvido, sério: tudo é questão de escolha, de adequação.
_ Oba! Então posso escolher como quero estar?
_ Sim, você pode, apesar das circunstâncias, dos estados em que se encontra, você pode estar muito melhor e sentir-se muito mais adequado.
Você é você sem os seus estados. Com os seus estados, você é você mais os seus estados. Estados, convenhamos, não nos são inerentes, são coisas que passam, eu posso escolher como quero estar, como quero me adequar às ocasiões.
Mais ou menos assim, ou bem assim: “ Eu estou decepcionada, sinto-me traída, abandonada, magoada, mas eu me amo profunda e completamente como estou e escolho estar mais feliz, motivada, bem sucedida”.
Não é fácil fazer essas escolhas, é mais fácil estar como as pessoas tentaram nos explicar, como eu tentei provar ser, é mais fácil achar que não temos outro jeito de estar, mas isso dói profundamente, como também dói querer mudar e fazer novas escolhas sempre que quiser.
Zona de conforto dói, mas nos dá segurança; já sabemos estar assim, já sabemos como temos que reagir quando nos vemos em tais e tais circunstâncias e situações. Mudar, transformar dói também, mas nos traz infinitas possibilidades de estar. Não é fácil, está claro que não é fácil, é caminho novo, nosso cérebro tem que fazer novos trajetos , terá que haver novas conexões neurais, mas aí, maravilha! _ a cada dia nos sentimos mais livres e talvez nos deparemos com novas situações, circunstâncias, novos e novos instrutores e mestres; talvez encontremos novos livros, pessoas a nos ensinarem ou fazerem conosco um novo trajeto, até que caminhemos sozinhos, abrindo nós mesmos novos caminhos, dando-nos nós mesmos novas possibilidades, nesta aventura inédita que é a vida de cada um de nós.
Em tempo: este texto foi muito anteriormente por mim publicado em outro site e é agora trazido definitivamente para este site, revisto, reeditado.