|| Um Namorado E.T. – conto insólito
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Um Namorado E.T. – conto insólito

Um Namorado E.T. – conto insólito

Estava eu ontem à tarde sozinha_ uma saíra e outro ainda não havia chegado_ quando tocou a campainha. Eu não reconheci a pessoa, por isso fui com a chave, para, se fosse o caso, abrir o portão à mulher. Viera de carro,desacompanhada; devia ter uns trinta e seis anos. Queria contar-me algo, e começou a falar ali mesmo. Como não me inspirava desconfiança, convidei-a a entrar. E continuou se apresentando.

Aquele carro era alugado, viera de avião até uma cidade mais ou menos próxima; morava numa cidade bem pacata e silenciosa e estava muito satisfeita no lugar. Havia sido executiva em grandes cidades e trocara tudo por morar num local como aquele. Mas não viera a minha casa para falar dela, falaria de algo que lhe ocorrera há três dias. Queria que eu publicasse o que iria contar, por isto chegara até mim.

Eu falei que não era difícil que a moça mesma publicasse; ela disse que, como me descobrira, temia que alguém a descobrisse também. Ela não iria suportar nenhum tipo de assédio de curiosos ao seu pequeno bar, pois teria que mudar-se de lá outra vez; isso ela não queria de jeito nenhum. Perguntei-lhe como ela soubera de mim; ela sorriu e mostrou o meu computador. Disse-lhe que eu não teria como pagá-la, caso concordasse mesmo em falar sobre o seu assunto, porque eu também não ganhava dinheiro com o que publicava, ao que ela me respondeu que bastaria apenas a publicação.

Eu quis fazer mais alguma pergunta e ela abaixou a cabeça; eu entendi, com a atitude, que ela queria começar sua narrativa e eu me pus a ouvi-la atentamente. O que segue é o que ela contou, com muita emoção na voz, sem nenhum vestígio de insanidade e sem ser interrompida nenhuma vez pela sua única ouvinte.

…………………………..

Estava eu no meu pequeno bar, quando tocou o telefone. Era uma grã-fina pedindo-me uma mesa para dois no meu reservado. E foi dizendo como queria que eu arrumasse o recinto: uma mesa, uma cadeira, um banco alto de balcão, orquídeas azuis… Interrompi dizendo que eu não tinha como arranjar-lhe orquídeas, por melhor que ela pudesse pagar por elas. Disse que poderia providenciar-lhe um vaso com belas-emílias, e ela disse que estava bom. Queria uma tábua pequena de frios, uma jarra pequena com suco de laranja. Copos e apenas a luz natural. Tudo para as quatro horas da tarde. Pediu para passar-lhe o preço. Fiz as contas, passei um preço até alto; ela aceitou imediatamente; estava ótimo para ela.

Eu não tinha ingredientes para a tábua de frios; fui ao supermercado e comprei tudo fresco, até uma tábua nova, pois as minhas não estavam assim decentes para a ocasião que eu já estava achando assim muito cheia de mistérios, mas havia aceitado as condições e agora era cumprir a minha parte.

Às quatro horas ela chegou. Vinha num carrão que eu só vira nas grandes cidades onde trabalhara. Estava toda de cetim azul-turquesa, óculos azuis, chapéu azul com uma redezinha de filó também azul cobrindo os olhos; luvas, bolsa e sapatos azuis. Moça alta, bonita, mas parecia saída de uma história em quadrinhos: afinal, não se vê alguém vestido daquela maneira a toda hora, muito menos àquela hora do dia.

Entrou e, com minha orientação, foi logo ao recinto, solicitando que eu levasse logo o seu pedido e não retornasse mais, nem a interrompesse, até que ela mesma saísse e viesse ao balcão para acertar a conta. Tudo sobre a mesa, saí, mas estranhava que ela quisesse tudo antes que lhe chegasse a companhia. Não voltei lá, mas não tirava os olhos da porta, esperando que um estranho chegasse também num carro que se equiparasse àquele da moça, mas nada.

Não aguentei de curiosidade; sem nenhum barulho fui olhar a moça. Quase desmaiei. Havia um e.t. sentado no banco alto! Assim, no banco, ele era ainda bem menor que ela. Recuperados os sentidos, abri novamente um pedacinho da cortina. Ela estava de costas para mim, e eu podia ver bem as feições do ‘rapaz’, se é que havia ali feições; é difícil descrevê-lo, e, se vivesse duzentos anos, não esqueceria os olhos muito grandes, saltados, mas muito azuis, de uma ternura ao olhar para a moça que não se vê nem nos muito apaixonados aqui na terra. Não dizia palavra, não se tocavam, só ela falava, e ele se expressava com o olhar e com alguns movimentos de boca, como que sorrindo, e às vezes de toda a cabeça ou do corpo. Era marrom, pele enrugada e fina; cabeça muito larga à altura da testa; nada que se parecesse com cabelos ou pêlos; no peito transparente via-se-lhe o coração batendo. Azul fluorescente!

Só a moça comia. De repente uma porta atrás de mim bateu e eu quase morri de susto. Quando olhei de novo, a moça estava se levantando; estava sozinha; nenhum vestígio de que mais alguém estivera ali. Corri para o balcão. Logo ela veio, pagou a conta dando-me um valor muito maior do que combináramos,e não quis troco. Entrou no carro e, com ar de muito feliz e satisfeita, saiu. Foi isso o que vi. Isso é tudo que venho lhe contar.

…………………………………..

Acabou aí a narrativa e eu fiquei incrédula, olhando para a minha visita. Sorridente, para não ser dura demais, eu pedi:

_ Provas.

A moça quedou-se vencida:

_ Não as tenho. A única coisa que eu tinha ali era um celular. Bati quatro fotos sem uso de flash, mas olhe.

Entregou-me umas fotos com uns borrões e reflexos azuis. Ao fundo, um armário e a parede.

_Eu sei que foquei bem, disso tenho certeza.

O armário, hoje analiso, não fazia parte do meu cenário, ele fica bem mais ao canto.

_E você quer que eu publique isso que você me contou?_ perguntei-lhe.

_ Sem tirar nem pôr nenhum detalhe, disso faço questão.

Despedimo-nos; ela me disse que não haveria outro encontro nosso, que aguardaria a publicação. Fiquei em dúvida: um ‘causo’ ou um conto insólito? Decidi-me, e aí está.

Escrito e publicado anteriormente em 11-06-2008, agora definitivamente trazido para este site.

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