|| O Coronel e o Papagaio
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O Coronel e o Papagaio

O Coronel e o Papagaio

Um conto, mais precisamente, um causo.

Nessas andanças que a gente faz conhecendo lugares, uma vez estive num paradeiro de exuberante paisagem. É de lá que vem essa história…

O coronel não era coronel nada, mas o povo o conhecia e o chamava assim por respeito e submissão, e ele gostava. Era ranzinza e sovina. Só ele ali na região tinha em sua fazenda coqueiros de cocos miúdos e macaubeira. Alguns meninos da vizinhança iam até lá e pediam permissão para entrar e pegar do chão um pouco dos coquinhos e das macaúbas. Conforme o dia ele não deixava os moleques entrarem. Como não sabiam qual era o bom dia de pedir, resolveram que iriam, daquele dia em diante, pegar algumas frutas, mesmo sem o consentimento e aprovação do homem. Só que a partir também daquele dia, coincidentemente ou por decidida precaução do abastado ranzinza, ele aumentou a guarda da fazenda. Vieram três grandes cães, e o capataz tinha ordem para correr com os garotos de lá.

Os meninos da história aqui narrada eram três irmãos. O menor, Jeremias, era o apreciador das frutas. Chegava mesmo a sonhar que estava no pomar do coronel saboreando as suas delícias. O irmão do meio, o Josias, começou a caraminholar um plano e pediu auxílio do mais velho, Josué. Aprendera com o avô a empalhar bichos e tinha por lá ainda um papagaio empalhado. Gostava de imitar vozes de pássaros, cães, barulhos de insetos. Quando ia à missa voltava arremedando o padre estrangeiro e a cantoria da velha do banco de trás. O pai, sério, segurava o riso, mas em pouco tempo juntava-se aos outros se rindo também.

O fato é que o Josias precisava do irmão mais velho para a execução de um dificílimo plano. Josué era dado a mexer desde pequeno com inventos elétricos e eletrônicos. Aproveitava bem as aptidões fazendo cursos na cidade. Josias pediu que o irmão gravasse sua voz imitando um papagaio. Depois dariam um jeito de colocar o pássaro empalhado bem no rumo da janela do coronel para que ele o avistasse, quando ouvisse a cantarola.

Os irmãos de Jeremias ficaram cúmplices naquela trama, porque pressentiam que aquilo não estava direito, mas queriam, nem que fosse uma vez, matar a vontade do caçula, que ficara só com seus doces desejos, sem saber das artimanhas dos dois mais velhos, que se armavam de cordas, cordinhas, arames, fios, uma parafernália. Os pais nunca souberam de nada, nem mesmo depois de tudo acontecido.

Quase um mês depois, sentiam-se prontos. No dia combinado, na hora da sesta do coronel, trataram de agir rápido enquanto o capataz saía para as compras e deixava à frente da casa os cães, para que não incomodassem o sono do patrão e guardassem a propriedade. Armaram tudo nas árvores do pomar. O papagaio mais à vista e a pequena e possante caixa de som camuflada num tronco mais ao fundo.

Após o descanso o velho conferia a contabilidade em seu escritório e punha em dia a leitura da correspondência, como fazia todos os dias. Foi então que começou a ouvir uma voz esganiçada a gritar: “Velho sovina, vai ver se eu estou na esquina; velho babão, você tem medo de bicho-papão.” E a voz repetia aquilo sem parar. Bastou para o velho procurar a sua espingarda. Atirou no bicho. Voou pena pra tudo que foi lado e o velho fechou a janela satisfeito. Quando o capataz chegou, ele contou o caso. O empregado, incrédulo, foi ao local do ocorrido e constatou: lá estavam as penas. Mas estranhou que não viu a ave morta. Pensou : “ainda voou ou se arrastou até morrer por aí.” E foi para dentro. O caso encerrava-se ali, mas viu que o homem tinha mesmo inimigos que até treinavam pássaros para fazer-lhe chateações. Precisava redobrar os cuidados. Naquela noite foram dormir mais tarde, distraídos com a televisão. Meia hora de luzes apagadas, e o desafinado e persistente canto recomeçara. O capataz ouvira sim, senhor. Foi, novamente, temeroso, com lanterna e espingarda no local. Achou só o bico da ave. Não sabia é que ela inteira, menos o bico, mais a caixinha de som, fios, arames, tudo havia sido puxado pelos moleques com as cordinhas. Para o capataz estava ali a prova da morte da ave e da veracidade do caso: o bico. Mas a defunta ave-falante ainda cantava de algum lugar?

Deitaram-se e demoraram a dormir, cada um no seu aposento, matutando. Não conseguiram decifrar nada que explicasse os acontecimentos fora de suas rotinas roceiras. Os meninos vizinhos é que iam além.

Não se passaram muitos meses, e o Jeremias veio com a novidade da mudança do fazendeiro e a venda da propriedade. Os dois irmãos mais velhos se olharam e se perguntaram depois até que ponto contribuíram para a decisão inesperada e radical vinda do coronel. Nunca pensaram num desfecho daqueles para o caso do papagaio.

Uma boa reforma nos aposentos, no pomar, a construção de novas dependências fizeram da fazenda um bonito Centro de Tratamento Natural, um Spa, diriam outros. E lá é que me encontrava eu quando o Josias, agora administrador do Centro, numa sua hora de folga, contou-me o caso que ele mesmo considerava assim, bobinho e fraco, e não entendia como e se só aquilo pudera provocar tantas mudanças nos destinos daquelas paragens e de sua antiga gente. Contou-me porque sabia que eu gostava de escrever, pedindo-me que mudasse os nomes e omitisse algumas circunstâncias reveladoras, caso fosse um dia aproveitar a sua narração para as minhas escritas. Só não posso contar como soube, posteriormente, de alguns detalhes do que se passara no interior da casa do coronel naqueles dias para acabar de compor essa história.

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